O desafio de dizer – Marielle! Presente…

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O direito de dizer é também direito de trazer à existência uma percepção de mundo, um jeito de ver, de sentir, de experimentar a vida. Não dizer ou não poder trazer à existência sua versão é estar condenado a assumir o dito, a voz, a versão do outro; é estar condenado a assumir o olhar de outros, os valores de outros, o lugar de outros; é perder-se no Outro que nos viola.

No texto sagrado, as coisas passam a existir quando Deus diz: “Disse Deus, haja luz e houve luz”. Mas, isso não é uma prerrogativa apenas divina. Para existir é necessário que seja dito. Foi necessário dizer violência, barbárie, injustiça, extermínio, genocídio quando se falava em escravidão para superar vozes hegemônicas que diziam: natural, determinado por Deus, inferior, sub-raça. Mas essas palavras não foram ditas a troco de nada, elas custaram vidas e muito sangue derramado. A batalha pelos discursos não é luta retórica, é guerra sangrenta que já derramou muito sangue e que ainda abate a vida dos que tiveram os direitos de dizer e de ser subtraídos. 
 
Diante desse cenário, podemos dizer que grande parte das pessoas se encontram entre aquelas que assumiram o discurso dominante. Esse discurso, por ser amplamente assumido, se torna comum, torna-se “senso-comum”. Há outros que conseguem dos seus lugares emitir sons novos, balbuciar palavras novas, autênticas, que criam e recriam espaços mais diversos, solidários e humanos. E há aqueles que ousam ocupar outros lugares, lugares destinados aos produtores dos discursos estabelecidos e fazer nascer nesses lugares, novas versões. Feiticeiras e feiticeiros das palavras, dizem e fazem surgir a possibilidade de novos mundos. 
 

Essas pessoas sempre foram perigosas para os poderes estabelecidos. Marielle, a vereadora eleita com quase 50 mil votos, a quinta mais votada no Rio de Janeiro, conseguia com sua voz fazer surgir em alto som vozes antes apagadas, rasuradas e subtraídas da história: a voz do pobre favelado, a voz da mulher, a voz da negra, a voz da Maré. Os dois assassinos de Marielle são ligados à polícia Militar (PM reformado e ex-PM), ligados ao Crime Organizado, à Milícia carioca e ligados a políticos poderosos, inclusive um deles, tem ligações íntimas com a família Bolsonaro. A demora de um ano para elucidar o crime revela a crise do Estado Brasileiro que se divide em provocar mortes, encobrir assassinos, mandantes e em proteger e preservar a vida e a harmonia social. Uma coisa já está óbvia, Marielle Franco foi morta com o aval do Estado, que ainda tenta garantir a sobrevivência (política) do mandante. Foi um silenciamento. Não conseguiram calá-la de outra forma, tamanha a força com que a vereadora fazia nascer novos discursos e novas vozes no mundo.

O Sindicatos dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Lauro de Freitas, ASPROLF, composta majoritariamente por mulheres negras, como fez há um ano, lamenta profundamente e sente-se, desafiado a, como Marielle, dizer nossas palavras. Dizer outras palavras em meio a discursos misóginos, fascistas, homofóbicos, racistas, xenofóbicos. Fazer ecoar palavras como igualdade, solidariedade, justiça social, salários justos, direitos humanos, ao mundo do Capital que nos impõe injustiças, violências, armas e guerras. Produzir ditos subversivos que tragam novas versões à lamentável versão que tenta ser imposta violentamente ao país.
 
Marielle! Presente, hoje e sempre.