A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, entidade representativa dos/as trabalhadores/as da educação básica do setor público brasileiro, se manifesta a respeito do lançamento do “Compromisso Nacional pela Educação Básica” em coletiva de imprensa concedida nessa quinta-feira (11/07), pelo Ministro da Educação – MEC, Abraham Weintraub, e representantes do Conselho Nacional de Secretários de Educação – CONSED e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME, que reúnem, respectivamente, os gestores estaduais e os gestores municipais de educação do país.
1. De forma preliminar, cumpre destacar que, em que pese não ter havido nenhuma divulgação de qualquer documento mais consolidado sobre os objetivos e metas propostas no que veio a ser nominado de “Compromisso Nacional pela Educação Básica”, esse é o primeiro esboço de alguma proposta para a área educacional do país, em mais de 06 (seis) meses transcorridos do mandato presidencial do governo de Jair Bolsonaro.
2. Para além de uma apresentação em Power point constante da página eletrônica do MEC, a coletiva de imprensa de lançamento da carta de intenções para a educação básica brasileira não contou com nenhum material divulgado de forma mais sistemática. É somente possível se manifestar sobre o referido “Compromisso Nacional” a partir dessa apresentação em Power Point e da reportagem da Assessoria de Comunicação – ASCOM do MEC, que está na página eletrônica do ministério na Internet.
3. A referida apresentação em Power Point do MEC conta com 31 slides, e em somente 10 (dez) são apresentados algum esboço de proposta. A linguagem de apresentações dessa natureza não se presta mesmo a aprofundar qualquer política, mas a falta de um conteúdo mais qualificado chama a atenção no documento. Trata-se mesmo de um esboço de proposta para a área educacional.
4. A reportagem da ASCOM-MEC inicia a publicidade do evento destacando que o pacto firmado entre os três níveis de governo (União, Estados e municípios), representados ali pelo MEC, CONSED e UNDIME, seria a grande novidade do evento (!!!), que converge com o plano de governo do presidente Jair Bolsonaro.
5. Toda a parte de diagnóstico da realidade educacional trazido pela apresentação em Power Point, que representa mais de sua metade, lança mão de dados tirados do contexto (“o insucesso escolar é concentrado nas redes públicas de ensino”), de comparações sem razoabilidade pelas grandes diferenças de contexto (quando a produtividade do trabalhador brasileiro é comparada a de trabalhadores de países como o Japão, Alemanha, Estados Unidos e Israel, por exemplo) e de informações sem o contexto adequado (quando a queda da produtividade de um trabalhador brasileiro é comparado com um sul-coreano, sem explicitar que o salto dado pelo país asiático deu-se, justamente, em decorrência dos altos investimentos em educação).
6. Um dos pontos altos do documento é quando o MEC tem que reconhecer a importância do aumento de gastos públicos no setor para se obter retorno em qualidade, mas eles apresentam a formulação da seguinte forma: “existe correlação entre gasto e qualidade, mas esta relação não é linear”.
7. Chama a atenção na apresentação em Power Point do MEC, que se pretende uma proposta para a educação básica brasileira, a ausência completa de qualquer menção às políticas de alfabetização do Ministério, que de forma sintomática teve anunciada a parceria nessa área com o Instituto Ayrton Senna há dez dias, e de detalhamento de estimativa orçamentária para as intenções anunciadas, se não indicações gerais e muito genéricas somente na reportagem da imprensa oficial do MEC.
8. Antes de adentrar na parte mais do conteúdo, cumpre destacar também que o documento divulgado, com a chancela dos gestores municipais e estaduais de educação do país, não faz nenhuma menção ao interdito que a Emenda Constitucional nº 95/2016 impõe a qualquer projeto de maior alcance na educação do Brasil. Essa omissão chama a atenção em especial porque ratificada pelas secretarias municipais e estaduais de educação, já tão estranguladas financeiramente.
9. Quanto propriamente ao conteúdo da proposta anunciada, o referido “Compromisso Nacional” do MEC indica o fomento à política de militarização escolar e aproveita muito de programas e projetos já existentes nas ações do ministério, apenas revertendo-os para os projetos políticos inscritos na Reforma do Ensino Médio e na Base Nacional Comum Curricular dessa etapa, já aprovados e denunciados pela CNTE como instrumentos da mercantilização e privatização de nossa educação pública.
10. Usando o programa Proinfância, instituído ainda no ano de 2007, o governo anuncia o seu desejo de concluir a entrega de mais 4 mil creches até 2022, de modo a universalizar a pré-escola no país. Não anunciou, no entanto, quaisquer origens de recursos para tal iniciativa.
11. O programa Novo Mais Educação, de 2016, já do Governo de Michel Temer, que nasceu com o propósito de fomentar somente as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática no Ensino Fundamental, com ampliação da jornada escolar, será usado agora para diminuir a evasão escolar, corrigir o fluxo escolar (idade-série) e melhorar em indicadores educacionais do país, também sem indicativos de dotação orçamentária.
12. Quanto ao Ensino Médio, fica clara a intenção do Governo de investir no modelo aprovado da Reforma (Lei 13.415/2017) e nos moldes do preconizado pela BNCC, com a matriz obrigatória, áreas de interesse e itinerários formativos. A CNTE já denunciou mais de uma vez o projeto de mercantilização e de privatização da educação pública escamoteado nesses dois instrumentos normativos.
13. Por meio do programa Inovação Educação Conectada, de 2017, a atual proposta do MEC pretende ampliar o acesso à Internet de escolas rurais, com estimativa de investimento de 120 milhões de reais até o final do ano. Nas escolas urbanas, pretende-se investir mais 114 milhões de reais para melhorar a conectividade. Cumpre esclarecer que esse tipo de investimento é central para um projeto político de educação amparado em maior grau e intensidade no formato de educação a distância, que sempre é mediada por instrumentos computacionais.
14. Nesse contexto, o MEC também anunciou a parceria de três universidades federais (Ceará, Goiás e Santa Catarina) para desenvolver projetos de games a serem aplicados nos anos iniciais do ensino fundamental, de modo a tornar as aulas “mais interativas e atraentes”. Para esse projeto, serão destinados 3 milhões de reais até o fim desse ano.
15. A Educação de Jovens e Adultos – EJA, que já teve autorizado nas novas diretrizes curriculares nacionais do ensino médio o uso de até 80% de suas aulas por ensino a distância, será agora articulada com a educação profissional e tecnológica.
16. Da mesma maneira, a formação de professores no Brasil terá novas trilhas de formação, também por meio de cursos a distância, para que, segundo a proposta, a profissão de professor seja atrativa. Essa parte também reserva outra pérola da apresentação do MEC: em um slide de diagnóstico, o MEC insinua que, atualmente, a escolha da profissão de professor e pela carreira do magistério é feita pelos estudantes que tiveram um desempenho escolar baixo e que os estudantes de pedagogia têm nota abaixo da média do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM.
17. Quanto ao processo de militarização das escolas, o referido “Compromisso Nacional pela Educação Básica” do Governo Bolsonaro assume como meta a implantação de 108 escolas cívico-militares até o ano de 2023, com uma meta anual de 27 (uma por Estado da Federação, optando pelas regiões mais vulneráveis). A reportagem da ASCOM-MEC diz claramente que o papel dos militares nessas escolas será o de tutores, deixando a coordenação pedagógica para o pessoal civil.
18. A apresentação em Power Point do MEC ainda fala em projetos transversais, como apoio a implementação da BNCC, fomento e fortalecimento da escola cívico-militar e aproveitamento da capacidade instalada dos Institutos e Universidades Federais. Esse último aspecto merece atenção porque, como se sabe, esse é um projeto antigo desde o governo Temer, que é o de se desfazer da política empreendida pelos institutos federais e integrá-los definitivamente às redes estaduais de ensino médio.
19. A apresentação também reserva tempo para expor muitas intenções na área da gestão educacional, revendo avaliações externas, informatizando editais e fomentando consórcios municipais e arranjos institucionais diversos para a área da educação.
20. Trata-se, como tentado demonstrar, de um projeto muito vazio de conteúdo novo, mas recheado das intenções já materializadas desde a aprovação da Reforma do Ensino Médio, da BNCC do Ensino Médio e da aprovação das diretrizes curriculares nacionais dessa etapa de ensino. Essas intenções caminham no sentido de ampliar as políticas que favorecem a mercantilização de nossa educação pública para, no limite, facilitar a sua privatização.
21. A privatização da educação pública brasileira não se dará da noite para o dia, mas trata-se de um processo incremental que cresce ano após ano, com mudanças normativas que permitem o avanço de setores privados sobre os recursos públicos, como a venda de plataformas digitais que permitirão a educação a distância tão fomentada.
22. O esboço desse primeiro projeto de governo que caminha para mais de 6 meses de gestão trata-se, é verdade, de tão somente uma carta de intenções. Mas ratifica a opção por uma educação mercantilizada, de modo a favorecer os grupos econômicos interessados no “negócio” educação.
23. A CNTE reafirma a sua defesa e luta intransigente por uma educação pública, de qualidade, laica e socialmente referenciada. Reafirmamos, ainda, a urgência na defesa do Plano Nacional de Educação – PNE e pelo cumprimento de suas metas, da construção de uma proposta para consolidar um FUNDEB permanente e da revogação da Emenda Constitucional nº 95/2016 que asfixia financeiramente a educação pública brasileira.
Brasília, 11 de julho de 2019
Direção Executiva da CNTE