A pandemia de COVID 19 encontrou uma América Latina impactada por quarenta anos de implementação das políticas do modelo neoliberal. Esse modelo tem privilegiado as corporações empresariais, principalmente as vinculadas à especulação financeira. Isso explica o fato do nosso continente ser o mais desigual do planeta e a distância entre ricos e pobres não parar de crescer. A pandemia, com suas consequências de paralisação forçada da economia, instalou-se sobre essa crise pré-existente.
Os governos da região, salvo poucas exceções, têm tentado privilegiar a atividade econômica e não o isolamento social, que até existir uma vacina, continua sendo a única medida efetiva para evitar a multiplicação descontrolada dos contágios. Consequentemente, com isso as autoridades educacionais, pressionadas pelos grupos empresariais, estão tentando forçar a retomada dos ciclos escolares. Pressiona-se para reativar as dinâmicas educacionais sem abordar de maneira responsável as condições necessárias para que todas as populações envolvidas possam voltar de maneira segura aos centros de educação.
Com exceção do governo da Argentina, os demais governos da região não têm promovido o diálogo com os sindicatos do setor para decidir o momento seguro da volta às aulas.
As trabalhadoras e trabalhadores em educação são os principais defensores do direito à educação pública dos nossos povos e nunca colocariam obstáculos para o exercício desse direito.
Por esses motivos, o Comitê Regional da Internacional da Educação para a América Latina (IEAL) conclama todas as suas entidades afiliadas para que exijam condições que permitam um retorno seguro aos centros de educação. Por tal motivo, como condição mínima comum para a região, são propostos os requisitos a seguir:
1. Que os governos e autoridades estabeleçam processos de diálogo com as organizações sindicais do setor educacional para definir as diferentes etapas da volta às aulas.
2. Que sejam gerados mecanismos para ouvir as propostas dos setores estudantis organizados, de maneira que eles possam participar na definição dessas etapas.
3. Que sejam garantidas as condições necessárias de infraestrutura, com ambientes seguros e adequados para prevenir a propagação do vírus nos centros de educação: acesso à água, sabão e ventilação, entre outros. É inadmissível que as autoridades de países como Chile e Colômbia, profundamente impactados pela pandemia, ainda estejam destinando os escassos recursos estatais para financiar os negócios das empresas privadas vinculadas aos negócios das avaliações padronizadas.
4. Que o setor público garanta as condições de proteção para todas as pessoas nos centros de educação. Para isso devem ser fornecidos kits sanitários, acesso a testes, padrões de distanciamento seguro nas salas de aula ou outras medidas com instrumentos de proteção.
5. Que sejam promovidos padrões para serem aplicados no transporte público e escolar.
6. Que sejam reforçados os refeitórios escolares, levando em consideração os novos contextos de fome e desnutrição que estão afetando a região.
7. Que seja promovida, durante a vigência da pandemia e o isolamento, como fato transitório que não substitui a educação presencial, a coordenação entre o setor docente, as universidades públicas e os setores de investigação pública para definir ações que apoiem a modalidade da educação virtual e à distância.
8. Que seja garantida a distribuição desses recursos para as modalidades on-line e que seja limitado o lucro privado na promoção de plataformas virtuais.
9. Que seja garantido o transporte gratuito e/ou subsidiado para os alunos e alunas, levando em consideração os novos contextos de desemprego em milhares de lares na América Latina.
10. Que seja fornecido o material didático para os alunos e alunas que por sua condição de pobreza não têm acesso à conectividade e às aulas on-line.
11. Que sejam protegidos os direitos trabalhistas dos trabalhadores e trabalhadoras em educação, que mais uma vez têm-se mostrado essenciais na geração de respostas para a assistência integral à infância, adolescência e juventude.
No debate público de nossas sociedades começam a ganhar espaço as pressões de setores que promovem a diminuição de salários do setor público, o desmonte dos sistemas previdenciários e outras medidas de cortes orçamentários. Para enfrentar os investimentos destinados a financiar os setores afetados pela COVID-19, tanto em termos sanitários como de políticas sociais, nossos Estados devem buscar caminhos que permitam aumentar sua capacidade de obter recursos genuínos. Para isso, a nossa proposta é:
1. Avançar em direção a reformas tributárias progressivas tendo como princípio que quem mais tem mais deve pagar e, na emergência, promover iniciativas como impostos aos proprietários de grandes fortunas pessoais.
2. Fazer com que a dívida externa dos países da América Latina seja perdoada ou renegociada com prazos longos até nossas nações recuperarem a possibilidade de crescimento econômico.
3. Efetivar a reativação da obra pública e o fortalecimento das pequenas e médias empresas para criar postos de trabalho e diminuir o desemprego.
4. Exigir do setor privado empregador a proteção dos postos de trabalho e o respeito aos acordos salariais.
5. Exigir dos governos da América Latina, a criação de uma Renda Básica Universal de caráter nacional para garantir a todos os lares uma renda que permita sustentar suas necessidades básicas.
6. Promover campanhas por meio da Confederação Sindical Internacional (CSI), da Confederação Sindical das Américas (CSA), da Internacional da Educação (IE), da Internacional da Educação para a América Latina (IEAL), para que as organizações internacionais de financiamento aceitem perdoar a dívida dos países da América Latina e que esses recursos sejam usados no financiamento das políticas de saúde, emprego e educação pública.
Os setores dominantes, que sempre foram contrários a essas propostas que formulamos, deveriam reconhecer a evidência exposta pela crise da COVID-19: a insustentabilidade do modelo neoliberal baseado em um Estado mínimo que destruiu, entre outras coisas, os sistemas de saúde pública, entregando-os ao lucro privado. Essas políticas, além de destruir os sistemas de proteção social, também têm limitado o acesso à moradia digna e à água potável. Por tudo isso, hoje milhões de habitantes da nossa região estão em uma condição de absoluta vulnerabilidade perante a pandemia.
Por isso, a pobreza e o impasse resultantes da aplicação do modelo neoliberal no mundo e na América Latina, se traduzem hoje em vulnerabilidade e na perda de vidas humanas pela pandemia de COVID-19. Hoje está claro que os países mais afetados são aqueles que aplicaram de maneira inflexível essa receita neoliberal. Com o avanço da pandemia, essa visão mercantilista os levou a priorizar a economia e o comércio em lugar do valor supremo da defesa da vida.
Esse darwinismo social colocado em prática em países como Brasil, Chile, Peru e Equador gerou o maior número de casos confirmados e mortes por COVID-19 na região, seguidos por um segundo grupo de países como Colômbia, República Dominicana e Panamá. Apesar de tudo, no setor educação, professores e professoras criaram adaptações pedagógicas relevantes para continuar os processos de ensino-aprendizagem, muitas vezes gerando jornadas de trabalho ampliadas e extenuantes e com limitação de recursos.
Em nosso setor, quase 85% formado por mulheres, a extensão das tarefas foi adicionada aos cuidados e funções domésticas, intensificando a desigualdade e disparidade de distribuição de funções nas famílias em situação de confinamento. Destaca-se também, que as medidas de isolamento submeteram ainda mais as mulheres e meninas a situações de violência doméstica, abusos e agressões, como mostra o crescimento de denúncias por esses motivos na maioria dos países. Infelizmente, devemos dizer que os feminicídios continuam e aumentam com a pandemia.
A verdade é que a pandemia deixou evidente a inconsistência da política neoliberal que promete o paraíso do livre mercado. Hoje a realidade exibe a evidência de uma região que, por sua condição de estancamento e pobreza, é ainda mais frágil e vulnerável perante a COVID-19.
As estratégias de recuperação econômica dos nossos países não podem repetir os modelos econômicos que levaram os Estados da região a essa condição de vulnerabilidade. Não obstante, os setores privados, corporativos e antiestatais da América Latina – muitos dos quais estão atualmente nos governos – agem como predadores e estão aproveitando a conjuntura de quarentena e de distanciamento social para concretizar processos de reforma retrógrados e cortes expressivos no investimento público e na atuação do Estado, reformas que os sindicatos e os movimentos sociais têm combatido nessas décadas.
Com a impossibilidade de mobilização social devido à pandemia, os setores privados, corporativos e antiestatais estão promovendo legislações de tramitação rápida para responder aos impactos da crise sanitária, nas quais foram incluídas reformas retrógradas – trabalhistas, sociais e previdenciárias – em vários países da América Latina. Pressionam ainda para que a legislação aprove o uso de recursos públicos e livres de condições, para proteger os negócios empresariais.
O movimento sindical da região deve tentar impedir o avanço dessas políticas que visam debilitar as organizações populares e reduzir ainda mais seus direitos. Estamos no momento de uma redefinição do modelo de desenvolvimento e de Estado. Nessa redefinição, deve ser garantido o bem-estar da população e os direitos da classe trabalhadora. Mais democracia, mais respeito pelos direitos humanos e mais distribuição da riqueza é o único caminho para deixar para trás tanta pobreza e desigualdade.
Atenciosamente,
Hugo Yasky CTERA – Argentina
Presidente do Comitê Regional da Internacional da Educação, América Latina
Fátima Silva. CNTE – Brasil
Vice-Presidenta do Comitê Regional da Internacional da Educação, América Latina
William Velandia FECODE – Colômbia
Vice-Presidente do Comitê Regional da Internacional da Educação, América Latina